Desenvolvimento da Afetividade e Sexualidade – José Carlos Ferreira

Desenvolvimento da Afetividade e Sexualidade – José Carlos Ferreira

Desenvolvimento da Afetividade e Sexualidade

A sexualidade, entendida a partir de um ponto de vista mais amplo e abrangente, manifesta-se em todas as fases da vida de um ser humano. Ao contrário da ideia muitas vezes difundida pela generalidade das pessoas, a sexualidade tem na genitalidade (a parte relacionada com os órgãos sexuais e a reprodução) apenas uma das suas manifestações, talvez até nem a mais relevante.

A partir deste ponto de vista mais amplo, podemos afirmar que a influência da sexualidade está presente e interfere em todas as fases do desenvolvimento humano e toca todas as suas facetas e dimensões, desde antes do nascimento até à morte.

Analisaremos de seguida alguns aspetos e características mais relevantes do desenvolvimento da afetividade e sexualidade ao longo das grandes fases da vida humana.

Crianças

Na infância até à adolescência (especialmente na puberdade que pode ser definida como o momento em que ganhamos a capacidade de nos reproduzirmos), a sexualidade é vista como uma descoberta, principalmente do próprio corpo. 

Ao longo desta fase, muitas variações vão a ocorrer, mas a sexualidade é vivida e desenvolve-se sobretudo na relação com as sensações corporais que vamos a ter e em estreita interação com as figuras de vinculação, que se encontram quase sempre no seio familiar e das quais dependemos (principalmente e na maioria das vezes, a mãe).

Podemos dividir esta fase (antes da puberdade) em dois grandes momentos, um primeiro, que vai desde o nascimento até aos 2/3 anos e um segundo até à puberdade.

No primeiro momento, os principais agentes que exercem influência na criança são a família, em particular a mãe. Trata-se de um momento onde se formam as bases para o desenvolvimento da identidade sexual de cada criança.

A primeira fonte de prazer está localizada na região oral e em particular no ato da amamentação. Com o progressivo desenvolvimento do sistema nervoso, a criança lança-se à descoberta dos prazeres que o corpo lhe proporciona. Estas atividades exploratórias da criança, por passarem despercebidas à generalidade dos adultos como manifestações da sexualidade (pois não se trata de uma sexualidade genitalizada), não são normalmente reprimidas nas crianças. Estas primeiras atividades exploratórias e de prazer da criança acontecem normalmente ao acaso, ou seja, não há uma procura consciente desse prazer por parte da criança.

Esta situação muda quando a criança começa a observar e conhecer melhor os seus órgãos genitais (geralmente com a fase da retirada das fraldas), havendo aqui uma maior repressão por parte dos adultos em relação a estas atividades exploratórias.

Esta repressão acompanha muitas vezes a fase do controlo dos esfíncteres (urina e fezes), com a expressão muitas vezes comum do desagrado e até desamor com que os adultos reagem às “transgressões” e falhanços da criança a este respeito.

Quando termina a fase do controlo dos esfíncteres por parte da criança, por volta dos 3/4 anos, ela tem habitualmente concluído o processo de conhecimento do seu próprio corpo. Desde esta fase até à adolescência, dá-se a chamada socialização sexual da criança, através do contacto com os outros, com particular curiosidade pelo corpo do pai e da mãe. É também esta a fase mais intensa das perguntas sobre o sexo e a reprodução.

Até aos 2/3 anos, a generalidade das crianças adquire também consciência da sua identidade sexual, ou seja, reconhecem-se e identificam-se como rapazes ou raparigas.

Simultaneamente, iniciam um processo de aprendizagem e interiorização das funções que a sociedade considera próprias do rapaz ou da rapariga, e que estão associadas aos papéis de género.

Os principais modelos de identificação ou imitação social surgem nesta fase, assim como os problemas relativos ao ciúme, principalmente em relação às figuras de vinculação.

No momento do desenvolvimento que integra a segunda e terceira infâncias, respetivamente e aproximadamente dos 3 aos 6 anos e dos 6 aos 10/11 anos, os principais agentes influenciadores são ainda a família e posteriormente o grupo de amigos, com uma influência crescente da comunicação social e da internet.

Nesta fase, há uma consolidação da identidade sexual, ou seja, a criança aprende a identificar-se com um dos géneros.

As crianças aprendem palavras de natureza sexual. Contudo, muitas vezes elas desconhecem verdadeiramente o seu sentido.

Existe um sem número de brincadeiras exploratórias (jogos sexuais) em que as crianças se envolvem (ex. brincar aos médicos) e que são de grande importância para o desenvolvimento da criança, como facilitadores do conhecimento do meio, do desenvolvimento intelectual e ainda redutores de conflitos e ansiedades.

As crianças aprendem quais as atividades ligadas ao sexo e à reprodução mas ainda não conseguem designar especificamente a forma como as coisas acontecem.

Os papéis sexuais são fortemente reforçados por parte da escola e dos meios de comunicação social, quer através da publicidade ou dos programas de TV e internet que lhes transmitem quais são os papéis relacionados com o sexo e com a família, embora com uma tendência crescente e muito evidente para a diluição da bipolaridade em torno destes papéis.

Em suma, as principais características da sexualidade nas crianças são:

  • Os órgãos genitais estão ainda pouco desenvolvidos.
  • Os caracteres sexuais iniciam o seu desenvolvimento de forma gradual. Aqui há que distinguir os caracteres sexuais primários (os órgãos genitais ou reprodutores) e os caracteres sexuais secundários (as diferenças na forma do corpo entre homem e mulher, no tom de voz, os pelos faciais, o crescimento dos seios, o alargamento da bacia e dos ombros, a acne, etc.). Estes, pese embora designados de “secundários”, têm um impacto muito maior na forma como cada um encara e assume o seu desenvolvimento do que propriamente os órgãos genitais (caracteres sexuais primários).
  • A quantidade de hormonas sexuais em circulação no sangue é ainda muito pouco expressiva.
  • Os estímulos do tato sobre o próprio corpo são os que têm maior poder de proporcionar respostas fisiológicas sexuais.
  • A sexualidade está muito moldada pelos afetos.
  • Dá-se uma forte interiorização da moral relacionada com as questões sexuais.

Adolescentes

A adolescência é um período de transição entre a infância e a idade adulta, um momento marcado por profundas alterações biológicas, fisiológicas e psicológicas, durante o qual o corpo adquire e desenvolve os caracteres sexuais secundários (masculinos e femininos) associados ao sexo biológico, dando-se igualmente a maturação do aparelho reprodutor (caracteres sexuais primários) e a aquisição da capacidade reprodutiva (a chamada menarca ou primeira menstruação na rapariga e a primeira ejaculação de sémen no rapaz). 

A descoberta da sexualidade atinge o seu pico. O desejo sexual torna-se algo mais específico, contínuo e intenso e os estímulos mais diversos podem adquirir um valor sexual.

Devido a uma maior atividade hormonal, os jovens passam por várias alterações ao nível do corpo, designadamente aumento do tamanho dos órgãos sexuais, as primeiras ejaculações de sémen no caso dos rapazes (normalmente noturnas e durante o sono) e a primeira menstruação no caso das raparigas (menarca). 

Habitualmente é neste período que ocorrem os primeiros contactos sexuais e as primeiras experiências de natureza sexual, com o próprio corpo ou com outra pessoa, podendo algumas dessas experiências acontecer com colegas do mesmo sexo.

Principais mudanças biológicas

Com a entrada na puberdade, dá-se um conjunto de mudanças fisiológicas (ex: aumento de estatura e peso) e também uma sequência de mudanças especificamente sexuais que vão culminar na maturação dos órgãos sexuais, assim como na capacidade de resposta à estimulação sexual. Estas transformações geram habitualmente grande ansiedade nos adolescentes, que esperam vir a ter um corpo socialmente aceitável e apto para a reprodução.

Manifestações anatómicas e fisiológicas

Nos rapazes, as transformações começam entre os 9 anos e os 14 anos e são muito mais demoradas do que nas raparigas.

As principais mudanças são:

  • Surgimento de pêlos na púbis, nas axilas e no peito;
  • Aumento do tamanho dos testículos e do pénis;
  • Crescimento da barba;
  • Engrossamento da voz;
  • Alargamento ao nível dos ombros;
  • Aumento da massa muscular;
  • Início da produção de espermatozoides;
  • Aumento do peso e da estatura.

Nas raparigas, as transformações iniciam-se, regra geral, entre os 8 e os 13 anos. Habitualmente, a puberdade inicia com a primeira menstruação (a menarca, que pode aparecer de uma só vez ou aos poucos, acompanhada por dores de barriga e cabeça), que coincide com o surgimento de uma série de transformações do corpo.

As principais mudanças são:

  • Alargamento dos ossos da bacia (anca);
  • Início do ciclo menstrual (menarca);
  • Surgimento de pêlos na púbis e nas axilas;
  • Depósito de gordura nas nádegas, nos quadris e nas coxas;
  • Desenvolvimento dos seios.

Principais mudanças psicológicas

O adolescente adquire uma nova forma de pensamento, chamado de raciocínio formal ou abstrato, por oposição ao raciocínio concreto da criança. O raciocínio formal permite-lhe formular hipóteses, raciocinar sobre elas e extrair as suas próprias conclusões. 

Estas novas possibilidades intelectuais também lhes permitem refletir sobre os seus próprios pensamentos, bem como orientar o seu afeto para determinadas ideias e valores. Os adolescentes são capazes de se colocar no lugar dos outros e imaginar a perspectiva das outras pessoas sobre determinadas situações.

Principais mudanças na integração social

Nesta fase, os jovens desenvolvem muito a capacidade de integração no grupo de pares (colegas/amigos), onde todos têm tendencialmente as mesmas aspirações, gostam das mesmas coisas e comportam-se da mesma maneira. Desenvolve-se também a capacidade de integração gradual no mundo dos adultos.

Surgem, com o passar do tempo, novas necessidades afetivas e sexuais que podem conduzir à dissolução do grupo, em favor da formação de casais.

É por volta dos 12 a 13 anos que começa a surgir a necessidade de criar vínculos afetivos (namoro) com um(a) companheiro(a). Estas relações são poucas vezes acompanhadas de um sentimento de compromisso. É a fase do “andar com”. Para a maioria dos adolescentes, este “andar com” trata-se de um contrato informal em que está implícita a não existência de um compromisso maior, e que pode ir desde um simples fazer companhia até à troca de carícias ou mesmo a prática do ato sexual (embora este último sendo pouco comum nestas idades). Mas ao contrário do que se possa pensar, a população adolescente não é propriamente promíscua, sendo estas experiências e relacionamentos habitualmente acompanhadas de elevada fidelidade. Têm é uma duração muito reduzida, pelo menos até aos 16/17 anos.

Nesta fase, surge assim também outra alteração importante: a especificação da orientação sexual de cada um, ou seja, se a pessoa se sente atraída sexual e afetivamente por pessoas do mesmo, sexo, do sexo oposto ou de ambos os sexos.

Os principais agentes que exercem influência nesta fase de desenvolvimento são ainda a família, num primeiro momento, mas progressivamente os colegas (numa primeira fase do mesmo sexo e posteriormente do sexo oposto), assim como os meios de comunicação social.

Adultos

Em comparação com a adolescência, na idade adulta a sexualidade é vivida de forma mais tranquila. 

Porém, a vivência da sexualidade continua a ser muito distinta de pessoa para pessoa, como consequência do grau de diversidade que implicam diversas formas de vida e cultura existentes.

Na idade adulta, a maioria das pessoas encara a sexualidade com tranquilidade. Isto advém de uma maior maturidade, que resulta de uma vida familiar tendencialmente mais estável ou pelo facto de os adultos possuírem um/a companheiro/a fixo/a.

Durante a primeira etapa da vida adulta dão-se, contudo, algumas mudanças significativas:

  • Fim do período de crescimento fisiológico, alcançando o ser humano uma certa estabilidade na sua figura corporal;
  • Aquisição da maioridade legal;
  • Fim do período de escolaridade obrigatória;
  • Entrada no mercado de trabalho com a respetiva remuneração;
  • Partilha da vida em casal e/ou casamento;
  • Nascimento de filhos.

Os principais agentes que exercem influência nesta fase de desenvolvimento são os parceiros e os colegas, assim como os meios de comunicação social. A família tem aqui uma influência residual.

Existe nesta fase uma forte ligação da paixão ao amor. Estes jovens sofrem pressões crescentes no sentido do casamento (vida a dois) e atenua-se a competição entre indivíduos do mesmo sexo, devido à estabilização dos contactos entre os dois sexos.

Existe uma regularização e legitimação da atividade sexual. Contudo, há quase sempre uma variação no comportamento sexual com o nascimento dos filhos, em parte e desde logo condicionada pela gravidez.

Com o avançar da idade adulta, os valores familiares são reforçados pelos filhos e pela família de origem. Há então um declínio do erotismo e alguma preponderância do materialismo e do consumismo, que se manifesta sobretudo através da oferta de presentes ao parceiro.

Nos anos intermédios do casamento, os principais agentes que exercem influência são os colegas do mesmo sexo, o cônjuge, a família e ainda os demais colegas casados.

Há nesta fase da juventude dos filhos, há um ligeiro declínio da atividade sexual, motivado em parte pela dedicação aos filhos e às suas atividades. Existe também um acréscimo de experiências sexuais extra-matrimónio.

Surgem algumas insatisfações ao nível sexual com o aumento dos compromissos de natureza profissional e a diminuição da energia e da beleza físicas.

Idosos

Ao contrário do que a maioria das pessoas pode pensar, porque se cultiva na nossa sociedade que a sexualidade é um “apanágio da juventude”, a entrada numa idade adulta mais avançada não significa colocar a vida sexual de parte.

O envelhecimento é um processo que induz várias mudanças no indivíduo, nomeadamente ao nível físico, mental e social. Estas mudanças tendem a afetar a expressão da sexualidade, na medida em que se torna necessário para o idoso redefinir objetivos, isto é, reconhecer que está numa nova fase do ciclo vital e que, tal como as anteriores, esta fase está associada a determinados “acontecimentos padrão”, assim como de crises de desenvolvimento próprias desta fase.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) adotou o critério do intervalo de idades entre os 60 e os 65 anos para definir as pessoas idosas, o que, na maioria dos países desenvolvidos, corresponde ao início da idade da reforma.

O sexo e a sexualidade fazem parte da vida da pessoa idosa, mesmo que haja uma redução da frequência e da intensidade. Mas se por um lado há diminuição de energia, força e vitalidade, por outro há tendencialmente um aumento do tempo disponível e a diminuição de certas preocupações profissionais.

A sexualidade das pessoas idosas origina diversos mitos, que dominam certas crenças atuais, encimadas pela ideia de que o homem e a mulher mais velhos são sexualmente pouco atraentes e incapazes de se interessarem por sexo. Há inclusive muitas pessoas que consideram as manifestações de eroticidade por parte dos idosos uma indecência.

O processo de envelhecimento implica várias alterações ao nível dos fatores genéticos, neurológicos, hormonais, anatómicos e fisiológicos, que poderão exercer alguma influência na vivência do amor e da sexualidade. Tal não significa que determinem a sua cessação, podendo antes exigir alguma adaptação.

No caso dos homens, surgem as seguintes alterações fisiológicas:  

  • Diminuição da produção de esperma, que se inicia por volta dos 40 anos, mas sem total desaparecimento; 
  • A ereção é mais lenta e necessita de uma maior estimulação, sendo também menos firme; 
  • Menor quantidade de sémen emitido, havendo uma menor necessidade de ejacular e sensações orgásticas menos intensas; 
  • O período refratário alarga-se, ou seja, o tempo entre uma ejaculação e a seguinte prolonga-se. 

Relativamente às mulheres, surgem as seguintes alterações fisiológicas: 

  • Diminui o tamanho da vagina, que também se torna mais estreita e perde elasticidade, o que pode tornar o coito mais doloroso. Porém, a resposta clitoridiana não sofre alterações importantes;
  • Os seios diminuem de tamanho e perdem firmeza; 
  • A lubrificação vaginal diminui em quantidade e é mais lenta; 

No caso das mulheres, as alterações referidas estão associadas a uma diminuição da produção de estrogéneo após a menopausa.

É ainda possível referir outros fatores psicossociais que condicionam a atividade sexual das pessoas idosas: 

  • As relações interpessoais rotineiras, insatisfatórias ou conflituosas diminuem o desejo sexual, o grau de excitação e, progressivamente, as próprias capacidades sexuais; 
  • As dificuldades económicas ou sociais levam à diminuição do interesse e das capacidades sexuais, nomeadamente pela situação de tensão e sensação de marginalização que provocam; 
  • Condições físicas inadequadas, como a obesidade, falta de higiene, fadiga física ou mental, diminuem o desejo, as próprias capacidades e as possibilidades de as pessoas se tornarem atrativas para os outros; 
  • O medo de não ser capaz de ter relações sexuais coitais ou de proporcionar prazer ao parceiro limita a capacidade sexual, devido à ansiedade e insegurança que provoca; 
  • A atitude dos filhos e da sociedade em geral, habitualmente muito críticos em relação à ideia de que os seus pais se possam interessar pelo sexo, leva a que muitas pessoas idosas se culpabilizem e fiquem assim limitadas na sua atividade sexual.

Apesar disto, existem outros fatores que podem influenciar de forma positiva, permitindo às pessoas mais velhas disfrutar de experiências gratificantes do ponto de vista das relações sexuais, e também do ponto de vista dos afetos.

As alterações referidas não ocorrem nem na mesma altura nem da mesma forma em todas as pessoas. Cada indivíduo tem o seu próprio ritmo e, para alguns, estas mudanças não chegam a ser muito relevantes. 

O modo como cada pessoa vivencia estas alterações é também muito diferente. Algumas encaram-nas como naturais, enquanto outras ficam assustadas e preocupadas, pensando que vão deixar de poder ter relações sexuais.

Bibliografia

Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania, MEC, 2017

Referencial da Educação para a Saúde, MEC – DGE, 2017

http://www.apf.pt/sexualidade/etapas-do-desenvolvimento-sexual

Papalia, D. e Olds, S. (2000) – Desenvolvimento Humano. Artmed.

Gomes, A. e Miguel, N. (2000) – Educação Sexual só para Jovens. Texto Editora.

Dias, A et al. (2002) – Educação da Sexualidade no dia-a-dia da prática educativa. Edições da Casa do Professor.

Pereira, M. e Freitas, F. (2002) – Educação Sexual. Edições Asa.

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